Amor à primeira pauta

Crédito do desenho: Dafne Cristinne Pelizzaro

Cada profissão leva as pessoas a lugares distintos. Jornalistas costumam frequentar redações, rádios, estúdios de TV, e muitos se encontram em salas de universidades. Todos estes ambientes são propícios à discussões, afinidades, e em raros casos chega-se a uma concordância mútua. O que mais impressiona nessas relações é quando há afinidades. Elas levam os tais jornalistas por três caminhos distintos: ódio, amizade ou amor. O jornalista pode amar seu próximo assim como pode odiar seu semelhante e vice-versa. Seja qual for o caso, discussão, concordância e afinidade demais fazem mal à saúde dos assíduos praticantes. Eis um fato: afinidade é uma exceção rara. Ou você tem, ou você não tem.

A quase extinta afinidade é o que leva as pessoas a se amarem, pelo menos em contos de fada as coisas dão certo. Os filmes narram romances derivados de situações impossíveis, que acontecem entre pessoas de mundos paralelamente diferentes. Na vida real, os príncipes e mocinhos não tem cavalo, e as vezes sequer moto. Umas dizem que ele vem munido de microfone, gravador ou bloquinho. Algumas princesas aparecem formosas, com uma câmera fotográfica. É amor à primeira pauta?

O que mais perturba é saber que a palavra mais engraçada e incomum de se ouvir nas redações é “amor”, porque ou você tem tempo para ele ou não. A deadline não espera. E se você, por algum infortúnio da vida for jornalista e não tiver tempo, está ainda mais sujeito a se casar com outrojornalista. Conheço gente que encarou casar com jornalista, alguns vivem bem, mas, ainda prefiro os jornalistas que se casam com jornalistas, porque se casaram é porque o santo é forte!

O mundo certo dia sorriu e disse: o piso salarial da profissão é baixo e não compensa, mas se o amor for forte, que sobreviva com os freelas. Outro noite, sussurrou com ar de deboche: ainda esperando o marido voltar da coletiva? E quando nada parecia ficar pior seu marido já não quer opinar sobre futebol, quer opinar sobre aquele furo que você cobriu e ele não. Tantos ângulos de abordagem dentro de uma casa onde a comunicação, que deveria ser boa, as vezes se confunde com intromissão. Bichos metidos, invadem o pensamento e influenciam nos conceitos dos próprios formadores de opinião. O amor se mistura com decepção, orgulho e as vezes inveja. É saudável?

Fui à um show de música sertaneja cobrir uma pauta e um casal de amigos meus, ambos jornalistas, acompanharam. A esposa foi a trabalho, e o marido rockeiro foi junto. Não apenas pelo fato de ser marido presente, mas também por ser ciumento. Independente das canções, o que mais chamou a atenção foram as reações. A esposa sorria e dançava, aproveitou o momento para se divertir. Enquanto isso o marido permaneceu estático e de braços cruzados, olhava sério tudo que acontecia ao seu redor até a hora de ir embora. Jornalista que é jornalista entende as diferenças entre os gostos do casal, mas acima de tudo, suporta coisas “entre” casal. No contrato de casamento deveria haver uma cláusula específica sobre direito à brigas e birrinhas, afinal, a profissão não permite acúmulo de brigas não factuais. As pautas precisam estar em sintonia para que a “matéria” flua bem nos anos que seguem.

Pontos e pontos convergem para a união destes profissionais. Fora da área da comunicação, poucas pessoas conseguiriam lidar com a “calmaria” do ofício. O jornalistaDuda Rangel já dizia, “amar um jornalista é não se importar em passar o Natal sem ele, o carnaval sem ele e o aniversário sem ele“. Se você não tiver o ciúme controlado ou não for um jornalista, certamente irá achar que os planetas estão conspirando contra você, quando na verdade, você que se apaixonou pela criatura errada. Já jornalistas, tendem a ter de entender, pois é o mundinho que escolheram para trabalhar. E aí jornalista, quando deitar na cama hoje vai discutir a relação ou a pauta?